terça-feira, novembro 10, 2009

Muro morto, muros postos

Muro do México
9/11/2009
Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, o mundo segue erguendo barreiras para empurrar com a barriga as soluções para as grandes questões.

Na sexta-feira dia 30 de outubro, George Bush, o pai, Mikhail Gorbachev e Helmut Khol reuniram-se no Palácio Friedrichstadt, em Berlim, para receber homenagens pelo protagonismo que tiveram no processo que culminou com a reunificação alemã. Segundo o noticiário, Gorbachev teria dito o seguinte ao ex-presidente norte-americano: “Meu amigo Bush, os EUA também precisam de uma perestroika”. Referiu-se às reformas econômicas que implementou na antiga União Soviética e aludiu à crise financeira que ainda assola a economia norte-americana. O tom foi jocoso, claro, mas essa relação específica entre tempos passados e presentes implícita na piada do ex-líder soviético remete a outras mais, e mais dramáticas.

O Muro de Berlim caiu há exatamente 20 anos, no dia 9 de novembro de 1989, junto com a grande questão do seu tempo: a polarização entre o mundo capitalista e o mundo comunista. Foi erguido por causa dela, e ruiu por causa de sua distensão. Em 1989, a União Soviética há muito deixara de ser revolucionária, ou seja, há tempos perdera sua força, naufragando na doença do socialismo burocrático. Mais do que um muro de separação, o de Berlim foi um muro de contenção, e de ocultação: ocultação de um regime que agonizava de forma constrangedora, 70 anos depois de os bolcheviques fazerem os capitalistas engolirem em seco com sua extraordinária capacidade para liderar as multidões camponesas e proletárias.
Curiosamente, os burocratas soviéticos fizeram escola entre os vitoriosos da Guerra Fria no que se refere a erguer muros para tentar tapar o sol com a peneira, remediar o complexo com o simples demais. A urgentíssima questão migratória, por exemplo, permanece à sombra do “muro do México”, emaranhado de alambrados e paredes de concreto erguido pelos EUA para regular a entrada de mão-de-obra latinoamericana.

Do Mediterrâneo ao deserto do Arizona

Segundo estudo da Universidade de Houston, no Texas, entre 1994 — primeiro ano de funcionamento da “operação Gatekeeper”, de contenção da imigração ilegal — e 2004 nada menos do que 2.200 pessoas morreram quando tentavam atravessar a fronteira EUA-México. Estatísticas divulgadas pela União Americana para as Liberdades Civis (UCLA, na sigla em inglês) dão conta de 5.600 mortes nos últimos 15 anos. Em uma comparação problemática, mas inevitável, 136 pessoas morreram entre 1961 e 1989 tentando transpor o Muro de Berlim, segundo um recente levantamento realizado na Alemanha.
Isto sem falar na grande muralha anti-imigração na qual a Europa convenientemente deixou o mar Mediterrâneo se transformar, mal escondendo o fato de que o ideal igualitário, hospitaleiro e universalista europeu enrubesce, soa apenas como inócua declaração de intenções e não consegue se manter de pé quando cotejado com a tragédia que há tempos arrasa suas ex-colônias africanas; constrange-se quando visto à luz dos seus centros de detenção de imigrantes ilegais, que estão longe de ser exatamente prisões de padrão nórdico. Há três anos um relatório da Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais mostrou que cinco africanos morrem por dia, em média, tentando chegar à Europa. Qual a diferença entre o mar Mediterrâneo e o deserto do Arizona? Certamente não é o caso de abrir as fronteiras do norte, mas talvez seja o de rever a postura de simplesmente lavar as mãos.
O Muro da Cisjordânia é outro exemplo de que proliferam as tentativas de mitigar as grandes questões contemporâneas — no caso, a questão palestina — pela via da engenharia, por assim dizer. A Índia, sétimo maior país do mundo em extensão territorial, e segundo mais populoso, caminha para se tornar uma nação murada. O país vem se valendo de arames farpados e concreto para se isolar dos seus vizinhos mais pobres, nomeadamente Paquistão e Bangladesh. As famílias originárias da região militarizada da Caxemira pedem o fim deste “novo muro de Berlim”.
Opinião e Notícia / Por Hugo Souza

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